Washington Bonfim
Prof. da UFPI
No dia 18 de maio de 2011, o Piauí viveu um momento diferente de articulação política, decorrente da mobilização dos estudantes de sua universidade estadual, a UESPI, em busca de reconhecimento de sua luta pela melhoria das condições de estudo e funcionamento daquela instituição de nível superior, através do twitaço do #sosuespi.
Aliado a este movimento, há igualmente o MudaPicos, que procura articular setores da sociedade civil desse município piauiense, em torno de uma pauta de resgate da qualidade de vida local, principalmente no que é relativo à atuação da Prefeitura Municipal. Este movimento, além da atuação “virtual” tem realizado reuniões presenciais e se propõe também à realização de um seminário para discutir sua pauta de reivindicações.
Ambos os movimentos têm nas redes sociais seu mecanismo básico de disseminação de ideias e, principalmente, de mobilização. Assim, no momento em que inúmeras são as questões levantadas em torno do papel destas redes na mobilização política, os dois movimentos e, principalmente o evento de 18 de maio joga luz importante sobre a discussão.
Em primeiro lugar, uma característica importante destes movimentos é a insatisfação com a política tradicional, o modo como os mecanismos tradicionais da política tem sido incapazes de dar vazão às insatisfações e demandas dos dois grupos, em Picos e na UESPI.
Em segundo lugar, aparentemente, as tentativas de mobilização “virtual” são decorrentes desta “insensibilidade” dos mecanismos tradicionais da política às demandas surgidas pelos grupos que organizam o movimento. Ou seja, as redes sociais funcionam como um mecanismo alternativo de reivindicação política, procurando chamar atenção para a importância das pautas e mais, para a existência em si do movimento, do surgimento de novos atores.
Interessante notar que a questão da UESPI, por exemplo, esteve presente nos debates públicos das eleições de 2010, tanto na voz dos principais candidatos, quanto na mobilização dos atores internos à instituição, que procuraram dar voz à sua situação durante o decorrer da campanha.
Neste sentido, há um conteúdo reativo das redes à “insensibilidade” dos canais clássicos de reivindicação política, pelo menos no que se refere a este exemplo mais recente. Ao silêncio e um certo descaso em relação às reivindicações, as lideranças do movimento reagiram buscando apoio político concreto, num formato que diminui os custos da mobilização e a projeta, inclusive nacionalmente, como foi o caso.
Um terceiro fator relevante para uma análise inicial deste movimento é a característica de sua liderança: jovens, sem vinculação político-partidária, – aliás, este é um ponto chave, há enorme rejeição à política no discurso emitido nas mensagens - constituem a linha de frente do movimento. No caso da Uespi, esta circunstância é um tanto mais óbvia, por ser uma mobilização de características estudantis, mas, no caso do MudaPicos, parece haver o mesmo perfil, jovens, classe média, desencantados com os mecanismos tradicionais de reivindicação política.
Faço esta análise sem qualquer pretensão de esgotar o tema, muito ao contrário, como usuário destas redes sociais, procuro seguir os movimentos e perceber suas características mais aparentes, destacando em textos como este as impressões mais evidentes que me acorrem em função da observação.
Mas, o olhar é sobretudo para as possibilidades de mudança política, objeto que sempre esteve entre minhas principais preocupações intelectuais. No mundo inteiro, vivemos um tempo de esgotamento da política e de seus mecanismos tradicionais de reivindicação e funcionamento. Talvez o aspecto mais aparente desta “crise” seja o que a literatura hoje denomina de “ativismo judicial”, visto como uma alternativa institucional ao descrédito e “engessamento” da política.
Impressionam dois aspectos principais, no que diz respeito ao Piauí. Em primeiro lugar, ambos os movimentos “virtuais” têm raiz na enorme distância que hoje existe entre a população e a vida política. Como já frisei aqui, uma hipótese é a de que tais movimentos representam uma reação forte, embora descentralizada, à incapacidade do poder público de responder às demandas. Aliás, a reivindicação primeira tem sido a do diálogo e da proposição de um plano de ação, que até aqui parecem inexistir.
O segundo aspecto tem duas faces. Por um lado, a incapacidade das autoridades de lidar com demandas legítimas de atores políticos que não seguem o perfil tradicional dos atores mais comuns do ambiente político local. De outro lado, esta incompreensão parece ser alimento rico, um fermento propriamente dito, destes movimentos, que crescem na esteira do silêncio/inação dos líderes tradicionais e do sentimento de que os problemas reais ou não importam, ou não são percebidos pelo sistema tradicional da política piauiense.
Qualquer comparação com outros movimentos do gênero, como o que ocorreu no final de semana dos dias 14 e 15 de maio, no bairro Higienópolis, em São Paulo, ou mesmo com a “Primavera do Oriente Médio”, que ajudou a derrubar ditaduras na Tunísia e no Egito, seria um enorme e descabido exagero. Mas, também me parece equivocado simplesmente não perceber e analisar ambos os fenômenos como algo novo no contexto político piauiense, com uma característica muito relevante, ambos vêm do município para o centro do poder, articulando-se a partir de realidades locais que afligem os seus participantes.
Argumentos quantitativos podem ser lançados para desqualificar os movimentos, mas sempre correrão o risco de desconsiderar que ventos novos varrem a política, inclusive a piauiense. No médio prazo, importa perceber como esses ventos arejarão os corredores institucionais do poder, para onde devem se dirigir, em busca de respostas às suas reivindicações.
Não deixa de ser um futuro promissor!
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